12 - O SONHO DO RAPOSÃO


Dous dias e duas noites o Caimão arquejou e rolou nos vagalhões do Mar de Tiro.(...)
Mas uma tarde, ao escurecer, tendo cerrado os olhos, pareceu-me sentir sob as chinelas um chão firme, chão de rocha, onde cheirava a rosmaninho; e achei-me incompreensivelmente a subir uma colina agreste de companhia com a Adélia, e com a minha loura Mary; que saíra de dentro do embrulho, fresca, nítida, sem ter sequer amarrotado as papoulas do seu chapéu!


Depois, por trás de um penedo, surgiu-nos um homem nu, colossal, tisnado, de cornos; os seus olhos reluziam, vermelhos como vidros redondos de lanternas; e, com o rabo infindável, ia fazendo no chão o rumor de uma cobra irritada que roja por folhas secas. Sem nos cortejar, impudentemente, pôs-se a marchar ao nosso lado. Eu percebi bem que era o diabo; mas não senti escrúpulos, nem terror. A insaciável Adélia atirava olhadelas oblíquas à potência dos seus músculos. Eu dizia-lhe, indignado: "Porca, até te serve o diabo?"
Assim marchando, chegamos ao alto do monte, onde uma palmeira se desgrenhava sobre um abismo cheio de mudez e de treva. Defronte de nós, muito longe, o céu desdobrava-se como um vasto estofo amarelo; e sobre esse fundo vivo, cor de gema de ovo, destacava um negríssimo outeiro, tendo cravadas no alto três cruzinhas em linha, finas e de um só traço. O diabo, depois de escarrar, murmurou, travando-me da manga: "A do meio é a de Jesus, filho de José, a quem também chamam o Cristo; e chegamos a tempo para saborear a Ascensão".

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