08 - ERA DE TRANCOSO E DESGRAÇADO



E logo, do canto, um moço magro e murcho, murmurou, suspirando e a desfalecer:
- Em o cavalheiro necessitando alguma cousa, chame pelo Alpedrinha.
Um patrício! Ele contou-me a sua sombria história, desafivelando a minha maleta. Era de Trancoso e desgraçado. Tivera estudos; compusera um necrológio; sabia ainda mesmo de cor os versos mais doloridos do "nosso Soares de Passos". Mas apenas sua mamazinha morrera, tendo herdado terras, correra à fatal Lisboa, a gozar; conheceu logo na Travessa da Conceição uma espanhola deleitosíssima, do adocicado nome de Dulce; e largou com ela para Madri, num idílio. Aí o jogo empobreceu-o; a Dulce traiu-o; um chulo esfaqueou-o. Curado e macilento passou a Marselha; e durante anos arrastou-se, como um frangalho social, através de misérias inenarráveis. Foi sacristão em Roma. Foi barbeiro em Atenas. Na Moréia, habitando uma choça junto a um pântano, empregara-se na pavorosa pesca das sanguessugas; e de turbante, com odres negros ao ombro, apregoou água pelas vielas de Esmirna. O fecundo Egito atraíra-o sempre, irresistivelmente... E ali estava no Hotel das Pirâmides, moço de bagagens e triste.

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