ACENDI UM CIGARRO


Acendi um cigarro, debrucei-me na janela. A casa de Gamaliel ficava num alto, decerto por trás do templo, sobre a colina de Orfel; ali o ar era tão doce e macio, que só o sentir a sua carícia enchia de paz o coração. Por baixo corria a muralha nova erguida por Herodes, o Grande; e para além floriam jardins e pomares, dando sombra ao Vale da Fonte, e subindo até à colina, em que branquejava, calada e fresca, a aldeia de Siloé. Por uma fenda, entre o Monte do Escândalo e a Colina dos Túmulos, eu via resplandecer o Mar Morto como uma chapa de prata; as montanhas de Moabe ondulavam depois, suaves, de um azul apenas mais denso que o do céu; e uma forma branca, que parecia tremer na vibração da luz, devia ser a cidadela de Maqueros sobre o seu rochedo, nos confins da Iduméia. No terraço relvoso de uma casa, ao pé das muralhas, uma figura imóvel, abrigada sob um alto guarda-sol franjado de guizos, olhava como eu para esses longes da Arábia; e ao lado uma rapariga, ligeira e delgada, com os braços nus e erguidos, chamava um bando de pombas que esvoaçavam em redor. A túnica aberta descobria-lhe o seiozinho cheio de seiva; e era tão linda, morena e dourada pelo sol, que eu ia, no silêncio do ar, atirar-lhe um beijo... Mas recolhi, ouvindo Gamaliel que dizia, como o homem do manto cor de açafrão no Monte das Oliveiras: "Sim esta noite, em Betânia, Rabi Jeschoua foi preso..."

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